Quem sou eu

Minha foto
Professora de Lingua Portuguesa e Literatura. Encantada e comprometida com a vida.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Presente do Escritor e Amigo Flávio Mello

(Imagem: Mulata em Rua Vermelha - Di Cavalcanti )
O PILÃO
ou canto ao tempo
(Flávio Mello)
Na entrada do casebre, ergueu a barra do vestido à altura dos joelhos, sentou-se num dos três degraus debaixo da alpendrada, despejou os grãos dentro do pilão e o acomodou entre as grossas e torneadas coxas. Socando e torcendo, enquanto o suor lhe umedecia o peito, despertando um par de mamilos agudos e delicados, assim, cantarolava cantigas que aprendera com a avó materna, escrava de um ontem meio que distante, porém tão próximo que ela, neta delgada, morena jambo, entardecer sobre mobília de jacarandá polido, ainda guarda nas costas as marcas da infância de grilhões e pelourinho.
Esmigalha os grãos já torrados e selecionados. O som do pilão é uníssono, assim como todo entardecer antes de ser engolido pelo lago e pela mata. Assim como o cantar das lavadeiras, o som se perpetua, fazendo-se parte de um coro de maritacas e araras azuis em revoada. O som das chinelas — em revoada — se espalha pela cozinha, a água no fogão à lenha borbulha, o som típico denuncia o tempo, estalos da madeira verde.
Apanha o coador de saco num armário de cor rosa descascado, despeja o pó dos grãos de café por ela moído, despeja a água fervente e a tintura escorre para dentro de uma chaleira improvisada. Sente dentre o aroma do café o cheiro da pesca, ouve entre o canto dos pássaros o som do remo, sente o toque delicado da chalana no pequeno cais na beira do lago, sente o braço peludo e musculoso do pescador agarrá-la por trás, sente o fluido escorrer por entre as pernas, já que calçolas não usava, sente os dedos grossos e sisudos percorrerem os pêlos eriçados, o aroma do café adentra a narina aberta, a barba roçando a nuca, o contorcer do pilão e as duas cinturas se unem, sente o membro rijo tocar-lhe as nádegas úmidas, sente o gosto da língua, da cachaça, um desmaio, um breve e delicado desmaio, e, desperta na cama, ouvindo o som do remo e o canto da maritaca se distanciando, se distanciando, se distanciando em revoada.
Flávio Mello: Escritor, Palestrante e Professor – leciona Língua Portuguesa, Literatura (Brasileira, Portuguesa, Africana e Infantil),
Para saber mais sobre Flávio Mello:

2 comentários:

Flávio Mello disse...

Nossa... DI... amo Di... adorei... e a Mulata tem tudo a ver com meu conto...

fiquei super feliz em ver esse espaço ceder ao meu conto, modesto, conto... outro espaço... rs...

você é realmente um amor...

o Conto O PILÃO - foi escolhido no meio desse ano para uma coletânea de autores nacionais... e fará parte também do AMAR, SÓ SE FOR ARMADO o meu novo livro...

beijos

Flávio mello

Anônimo disse...

Amei de paixão. Creio que nosso amigo Flavio Mello estava num momento ímpar de inspiração....
Belo presente. Você merece, querida amiga.
Bjomeliga!!