Quem sou eu

Minha foto
Professora de Lingua Portuguesa e Literatura. Encantada e comprometida com a vida.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Alina Reyes

Retrato de Katharina Cornell - 1951
(Salvador Dali)


“Distante” de O Bestiário
(Júlio Cortazar)
(Fragmentos)

“... eu apago as luzes e as mãos, me dispo aos gritos do lufa-lufa diário, quero dormir e sou um horrível sino ressoando, uma onda (...) Tenho que repetir versos, ou o sistema de buscar palavras (...), ou os numerosos anagramas: Salvador Dali, Ávida Dollars; Aline Reyes, es la reina y. Tão belo este, porque abre um caminho porque conclui (...)
Não, horrível. Horrível porque abre caminho a esta que não é a rainha, e que outra vez odeio de noite. A essa que é Alina Reyes, não a rainha do anagrama; que será qualquer coisa, mendiga em budapeste, freqüentadora de prostíbulo em Jujuy ou criada em Quetzaltenango, em qualquer lugar distante e não rainha. Mas Alina Reyes, e, por isso, ontem de noite aconteceu outra vez, senti-la e o ódio. (...)
Ás vezes sei que tem frio, que sofre, que batem nela. Posso apenas odiá-la muito, detestar as mãos que a atiram ao solo e também a ela, a ela ainda mais porque batem nela, porque sou eu e batem nela.(...)
Ás vezes é ternura, uma súbita e necessária ternura para com aquela que não é rainha e anda por aí. Gostaria de lhe mandar um telegrama, lembranças, (...) necessita consolo, compaixão, caramelos.
(...) hão de me castigar lá, mas quem sabe se é um homem, uma mãe furiosa, uma solidão. Ir para me buscar (...) a uma ponte onde há neve e alguém. (...)
(...) É mais fácil sair a procurar esta ponte, sair a minha procura e me encontrar como agora, porque já andei a metade da ponte entre gritos e aplausos.
(...) Eu a encontrarei na ponte e nos olharemos. Na noite do concerto eu sentia nas orelhas a quebra do gelo ali embaixo. E será a vitória da rainha sobre essa aderência maligna, usurpação indevida e surda. Entregar-se-á se realmente sou eu, se somará à minha zona iluminada, mais bela e verdadeira: apenas por ir a seu lado e apoiar uma mão no seu ombro. (...)
(...) Alina Reyes chegou à ponte e a atravessou até a metade, andando agora com dificuldade porque a neve batia de frente (...) Sentia como a saia se grudasse nas coxas (...) e, de repente, um desejo de voltar (...) Na metade da ponte desolada (...) mulher de cabelo negro e lasso esperava com alguma coisa firme e ávida (...) mãos meio fechadas mas já se estendendo. (...) Sem temor, libertando-se afinal – acreditava-o com um sobressalto terrível de júbilo e frio – chegou junto a ela e estendeu também as mãos, se negando a pensar, e a mulher da ponte se apertou contra seu peito e as duas se abraçaram rígidas e caladas na ponte (...)
(...) Apertava a magríssima mulher sentindo-a inteira e absoluta dentro do seu abraço, com um crescer de felicidade igual a um hino, a um soltar de pombas, ao rio cantando. Fechou os olhos na fusão total, recusando as sensações de fora, a luz crepuscular; repentinamente tão cansada, mas certa de sua vitória, sem celebrá-la por tão seu e finalmente.
Pareceu-lhe, docemente, que uma das duas chorava. Devia ser ela porque sentiu molhadas as faces, e o próprio pômulo doendo como se tivesse ali levado um golpe. (...) Ao abrir os olhos (talvez gritasse agora) viu que se haviam separado. Agora, sim, gritou. De frio, porque a neve estava entrando por seus sapatos furados, porque andando a caminho da praça ia Alina Reyes lindíssima em seu vestido, o cabelo um pouco solto contra o vento, sem voltar o rosto e andando.”
(Fonte Imagem: http://www.geocities.com/)

O texto a seguir é uma contribuição da amiga Silvânia Silveira, companheira da árdua e fascinante jornada na área do ensino. Silvânia é também minha companheira no curso de Pós Graduação. Seu talento, querida , é indiscutível!!!

ALGUÉM MAIS DENTRO DE MIM.

Alguém dentro de mim sofre. Angustia-se! Preso, imanente, alguém mais dentro de mim quer se manifestar.
Por vezes, olho pelo espelho. Vejo outros olhos. Alguém chora, alguém ri. Alguém, não é um! Alguém chora, sofre, compadece (...) outro alguém, lá dentro, ri. Ou não? Alguém de dentro ou de fora que ri. Não sei! Quem?
Sei que tem outro alguém dentro de mim. Alguém com olhos mais claros. Dá-se a impressão pelo espelho (e isso me assusta!). Alguém de fora que chora e alguém de dentro sorri. De dentro ou de fora, sofre. Alguém sofre de angústia dentro de mim. Quem?
Não sei... Alguém dentro de mim... Se de dentro ou se é de fora, está preso, vejo pelo espelho! Dentro de mim tem outro alguém. E tem olhos mais claros! Preso em mim, chora. Alguém pelo espelho chora em mim. Quem?
Em dias sombrios, melancólicos, alguém quer morrer. Vejo pelo espelho. Alguém no espelho tem olhos mais claros. Sofre. Alguém de dentro se esconde. Ou não? Alguém de dentro esconde o de fora. Quem se esconde? Alguém? De dentro ou de fora? Quem?
Vejo mais alguém dentro de mim. Então não sou só um! Ou sou eu além de alguém? Há mais alguém dentro de mim. Quem?
Se não sou só, não sou única. Porque essa solidão? Mais alguém dentro de mim sofre. Solidão! Alguém dentro de mim... Minha gêmea! Isso deveria ser bom. Mas quem de mim será irmã? Quem?
Existe uma gêmea em mim. Mas não é igual. Diferente! Sim, esse outro alguém dentro de mim é diferente. Vejo seus olhos pelo espelho. Somos dois. Ou não?! Somos mais de um alguém... Gêmeos no olhar? Não, não! Esse outro alguém dentro de mim ri enquanto estou a chorar. Seus olhos brilham e são mais claros. Ou será ele a me sufocar? Quem?
Que bobagem! Não pode ser! Alguém dentro de mim não fala. Eu? Eu tenho tanto o que dizer! Ou não? Alguém, de dentro de mim, me domina? Não fala, mas sabe o que quer dizer. Alguém de fora ou de dentro que fala? Quem? Alguém de olhos mais claros diz de dentro de mim! O quê?
Alguém mais existe dentro de mim. Se forem dois, não é mais um. Dois de dentro ou de fora? Gêmea de dentro... Alma? Não, não são... Eu sei, alma é só uma! Mas procura companheira... Quem de dentro de mim quer ser a primeira? De dentro ou de fora? Quem quer ser agora?
Existe alguém dentro de mim. Existe alguém que vejo de fora. Vejo, quando olho pelo espelho. Alguém de olhos mais claros. Vejo que alguém chora. Não vejo quem sorri. Se ri ou se chora, não é meu irmão. Gêmeo em mim chora. Ou não? Não, esse outro alguém não chora, ri. Quem é agora?
Alguém dentro de mim sofre. Alguém que vejo preso pelo espelho. Tem olhos mais claros! Alguém dentro de mim não é irmão. Vejo alguém pelo espelho de fora... Com olhos claros... Sorrindo por dentro... Chorando por fora (...) Sei quem sou por ora!
(Silvânia Silveira - abril/2000)

Nenhum comentário: